Desafios econômicos: Selic alta e inflação afetam o mercado de ações.
Os juros reais elevados no Brasil, com a taxa Selic a 10,75% ao ano e a inflação acumulada em 4,42% nos últimos 12 meses, pressionam o preço justo das ações na bolsa.
As incertezas fiscais e a resiliência inesperada da economia mantêm as projeções sob pressão, dificultando uma perspectiva otimista para o mercado. Mesmo com resultados corporativos sólidos, o cenário pode se agravar em 2025.
À medida que o Boletim Focus já projeta uma Selic terminal de 11,75% até o final do ano e a inflação persiste em ficar acima da meta estabelecida, o juro real da NTN-B de curtíssimo prazo se aproxima dos 8%.
E, ainda que os vencimentos mais importantes para o cálculo sejam os mais longos, a curva tende a ficar ‘flat’ em momentos de estresse como o atual, o que implica em prêmios de risco maiores.
Este ano, o juro real da NTN-B longa subiu de 5,3% no início do ano para cerca de 6,3% agora, tendo tocado o patamar de 6,5%. E, historicamente, quando estes títulos sobem, as ações costumam perder terreno.
Impacto dos juros sobre as ações
Thalles Franco, gestor da RPS Capital, diz que o impacto devido à variação do custo de capital depende de alguns fatores (como o beta, por exemplo), mas assumindo valores médios, cada aumento de 1 ponto percentual no juro real longo pode impactar em 10% a 14% o ‘valuation’ de uma empresa.
Os setores mais sensíveis são os de ‘growth’, diz, que têm taxas mais expressivas de crescimento e possuem uma maior parcela do seu valor no longo prazo. Ações de consumo são um exemplo.
Já a taxa de juro real nominal curta, de até 3 anos, influencia mais empresas alavancadas, dado seu impacto no custo da dívida.
“Enquanto as taxas mais longas são mais sensíveis à política fiscal e às expectativas de crescimento potencial da economia, as mais curtas costumam flutuar mais com a política monetária. Nesse caso, a análise tem que ser caso a caso, a depender da estrutura de capital de cada empresa.”
O executivo diz aindaque, se analisada uma cesta dos 40 papéis mais líquidos da bolsa ligados à economia doméstica (excluindo commodities e exportadoras), existe atualmente um prêmio de risco de 5,5% frente ao juro real de 10 anos, 1,6 desvio-padrão acima da média histórica.
Ou seja, mesmo com o patamar elevado das taxas no momento, este grupo de empresas já apresenta desconto e deveria ter espaço para avançar.
Nada é para sempre
Os modelos utilizados para este tipo de cálculo não costumam replicar o patamar atual das NTN-Bs “para sempre”, já que, eventualmente, a inflação cai e as taxas também, pondera Tiago Cunha, gestor de renda variável da Ace Capital.
“Até dois anos à frente temos projeções para nos basear, dali para frente a expectativa é que a taxa comece a convergirpara níveis históricos.
É assim que se acha valor na perpetuidade. Mas os modelos são alterados constantemente, já que se trata de avaliação de riscos, e em momentos de estresse, como agora, a curva fica ‘flat’”, diz.
Taxa de juros é custo de oportunidade, acrescenta Cunha. E, no Brasil, onde há juros elevados e ativos isentos de impostos, o custo de oportunidade é alto e investidores são incentivados a não tomar riscos.
De acordo com ele, a ação de uma empresa nada mais é que um fluxo de caixa descontado pela taxa básica e questões idiossincráticas da operação. Assim, se o juro sobe, o fluxo de caixa diminui.
Incertezas macro
Ademais, entende que uma eventual queda desse prêmio teria que ser desencadeada por mudanças no cenário macro, que segue cercado de incertezas.
“O Brasil continua sendo destino atraente para equities? Creio que não. Para além das questões do país, a classe de emergentes já não tem os níveis robustos de crescimento de antes e há setores em mercados desenvolvidos, como o de tecnologia dos Estados Unidos, que entregam mais retorno ao investidor”, afirma.
Estrangeiro
Priscila Araujo, gestora do portfólio de ações da O3, entende que o mercado local pode sim se beneficiar de uma volta do investidor estrangeiro, diante de um cenário de ‘goldilocks’ (juros para baixo e economia resiliente) nos Estados Unidos e da nova onda de estímulos na China.
Entretanto, a gestora da O3 admite que a barra para o investidor local voltar à bolsa parece mais elevada, por conta do novo ciclo de elevação da Selic.
“A economia brasileira cresceu nos últimos três anos muito por conta do forte impulso fiscal. O mercado de trabalho está sólido e o desemprego, baixo, com a massa salarial crescendo acima da inflação.
Isso, somado à expansão de crédito e a um período de inadimplência baixa, está se traduzindo em bons resultados para as empresas listadas, com 70% reportando números acima das expectativas na última temporada; e em pressões inflacionárias, que, somadas às incertezas fiscais, resultaram em alta de juros.”
Nessa linha, a executiva concorda que o que importa para o ‘valuation’ das empresas são as taxas de longo prazo e afirma que a retomada do ciclo de aperto monetário deveria ter puxado a ponta longa para baixo.
Mas entende, assim como os colegas, que os questionamentos em relação à trajetória da dívida brasileira têm se imposto. “O patamar atual dos juros reais é insustentável e uma correção seria bem-vinda”, diz.
Franco, da RPS, diz que a casa enxerga um prêmio de risco excessivo embutido na curva de juros. Na visão da equipe, o Brasil apresenta uma inflação razoavelmente controlada com um crescimento que tem surpreendido positivamente.
Isso, somado a um fiscal que não é o ideal, mas não apresenta dinâmica tão diferente dos principais governos do mundo, faz os gestores acreditarem que, na falta de novas notícias negativas, deveríamos ver alguma acomodação da curva em algum momento à frente.