Arrecadação decepcionante preocupa governo: impactos na gestão financeira.

 

Desempenho decepcionante da arrecadação preocupa governo e aumenta a ameaça de bloqueios econômicos, gerando incertezas e impactos na gestão financeira do país

A arrecadação do governo federal teve um aumento de pelo menos 10% acima da inflação no mês de maio em relação ao mesmo mês do ano passado, segundo estimativas preliminares de economistas do mercado.

Apesar de positivo, o dado ficou abaixo do que o Executivo previa para o período. O governo esperava arrecadar R$ 13,3 bilhões a mais, calculou a XP Investimentos.

O cenário deve reforçar o risco de o governo ter de contingenciar despesas no próximo relatório bimestral, a ser divulgado em 22 de julho, para evitar o estouro da meta fiscal deste ano — que prevê déficit zero, com margem de tolerância até 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto).

O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante cerimônia no Palácio do Planalto – Pedro Ladeira – 28.mai.2024/Folhapress

No último 22 de maio, o governo estimou um déficit de R$ 27,5 bilhões em 2024, o equivalente a 0,2% do PIB, mas apenas R$ 14,5 bilhões (ou 0,1% do PIB) entram na contabilidade da meta. O restante são gastos para combater a calamidade no Rio Grande do Sul, que a legislação autoriza descontar das regras fiscais.

Um técnico do Executivo reconhece que os dados internos indicam uma arrecadação abaixo do esperado em maio, embora ainda exiba forte crescimento em relação a 2023.

Para outro integrante da equipe econômica, seria positivo para o governo, em termos de credibilidade, fazer um contingenciamento no mês de julho para assegurar o cumprimento da meta.

Na avaliação desse interlocutor, o Executivo precisa mostrar a capacidade de conter despesas no momento em que a condução da política fiscal tem sido colocada em xeque por representantes do mercado financeiro.

Eventual contingenciamento significa travar despesas discricionárias dos ministérios, como gastos com custeio e investimentos, que só poderiam ser liberados diante da perspectiva de novos ganhos na arrecadação.

Em maio, as receitas federais somaram R$ 203,8 bilhões, um crescimento de 11% em relação a igual mês de 2023, já descontado o efeito da inflação, segundo cálculos do economista Fábio Serrano, do BTG Pactual.

O resultado foi reforçado pela tributação dos ganhos acumulados por detentores de fundos em paraísos fiscais (offshores), que se aproximou dos R$ 7 bilhões.

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A XP Investimentos faz simulações sem considerar fontes de arrecadação não administradas pela Receita Federal, como outorgas de concessões, dividendos e royalties de petróleo.

Nesse cenário, o valor ficou em R$ 192,8 bilhões, segundo a XP —uma alta real de 10,3% em relação a maio de 2023, mas R$ 13,3 bilhões abaixo do previsto pelo governo para o período.

“Tem sinais positivos na arrecadação, embora a arrecadação com offshores tenha vindo aquém. Mas a leitura geral é que chegou num certo limite o crescimento [das receitas]. Continua forte mas não é suficiente para atingir a meta”, diz o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos.

Segundo ele, boa parte da frustração de receitas em meio veio da categoria “outras receitas administradas”, que inclui arrecadação com os acordos do governo no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) propôs e o Congresso aprovou no ano passado uma medida que restabeleceu o poder de desempate da Fazenda nos julgamentos de conflitos tributários no Carf.

O acordo envolveu a aprovação de uma modalidade de negociação para os contribuintes derrotados pelo chamado “voto de qualidade”, que prevê queda da multa e desconto nos juros sobre a cobrança.

A Fazenda prevê arrecadar R$ 55,65 bilhões com essa medida neste ano, mas, segundo as estimativas preliminares da XP, não há indícios de que o dinheiro está se materializando nos cofres da União

Sbardelotto afirma ainda que há outros elementos preocupantes. “Há uma certa desaceleração em linhas importantes, como PIS/Cofins. Não sabemos se é efeito da calamidade no Rio Grande do Sul ou se é por conta de outras questões”, diz.

O efeito da crise gaúcha sobre a arrecadação também preocupa o governo. O estado responde por cerca de 9% do PIB nacional e 10% da arrecadação federal. Durante a catástrofe, muitas empresas ficaram paralisadas.

O governo tem monitorado os efeitos com atenção, mas parte deles pode ser temporária. Uma das medidas adotadas pela Receita Federal foi o adiamento temporário do recolhimento de tributos federais. Embora isso impacte o recolhimento de impostos no curto prazo, haveria recuperação nos próximos meses.

O impacto mais duradouro se daria caso a tragédia no Rio Grande do Sul afete a atividade econômica do estado por um período maior de tempo. No entanto, técnicos do Executivo avaliam que as obras de reconstrução e as transferências de renda para a população gaúcha podem impulsionar a retomada no segundo semestre.

Apesar dos sinais de perda de fôlego nas receitas, Sbardelotto afirma que a maior preocupação para o relatório de julho são as despesas, cuja expansão pode deflagrar uma outra trava, a do bloqueio de despesas —quando o governo precisa cortar gastos discricionários para dar lugar a rubricas obrigatórias, como benefícios previdenciários.

“A percepção que tenho é de que, neste ano, já haveria pressão muito grande para fazer um bloqueio significativo, na ordem de R$ 16 bilhões, podendo chegar a R$ 20 bilhões. E isso não está relacionado com o atingimento da meta fiscal”, diz o economista da XP.

Ele afirma que os efeitos de bloqueio podem se somar ao contingenciamento, que pode alcançar até R$ 25,9 bilhões, na interpretação do governo.

 

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